Kayla Oliveira

“Olha, eu sou daqui! Vim daqui!” A modelo que saiu de Catunda para estampar revistas de todo país

O sonho de ser modelo foi o que levou uma garota que andava na terra batida do pequeno município de Catunda, uma cidade
próxima a Crateús, no interior do Ceará, para as passarelas da São Paulo Fashion Week.

Kayla Oliveira deixou o conforto de sua terra natal e de sua família para desbravar a cidade grande aos 17 anos, enfrentando o preconceito, as diferenças culturais e a falta de espaço para pessoas trans na moda.

Mas hoje, ela carrega sua história com orgulho, mostrando suas origens em vídeos publicados nas redes sociais, enquanto estampa revistas de todo o Brasil.

“Muitas pessoas que acompanham minha carreira ou me seguem nas redes sociais não sabem de onde eu sou, algumas inclusive acham que nasci em Fortaleza.

Foi isso que me fez perceber que precisava mostrar minha cidade ao povo, precisava dizer ‘olha, eu sou daqui! Eu vim daqui!’”, disse Kayla Oliveira, em entrevista exclusiva à revista Ceará Luz – Talentos que Brilham.

Há pouco mais de quatro anos, a modelo saiu do Ceará para buscar novas oportunidades em São Paulo. Foi já na capital paulista que ela alcançou milhares de seguidores nas redes sociais, quando passou a publicar vídeos que mostram o contraste entre a realidade que viveu em Catunda e a carreira que escolheu seguir.

Criada em um município que havia sido fundado há menos de 10 anos, Kayla teve uma criação bem diferente da maioria dos sudestinos. “É sempre interessante ver a reação das pessoas quando conto as histórias da minha infância.

Catunda é uma cidade que há alguns anos não tinha energia, então eu realmente posso dizer que sou do tempo da Lamparina.

Aqui em São Paulo, eles contam que tinham que pegar três metrôs para ir à escola ou que passavam 30 minutos no carro para chegar lá, enquanto na minha cidade a gente tinha que ir de Pau de Arara. Por isso, decidi mostrar que certos lugares do Brasil vivem com dificuldades que a maioria da população nem imagina”, explica a modelo.

Início como influenciadora

Seja montada em um jumento ou desfilando entre vacas e arbustos da caatinga, os vídeos de Kayla fazem sucesso nas plataformas. Mas, segundo a cearense, no início, apenas os integrantes do grupo de Melhores Amigos de seu Instagram tinham o privilégio de acompanhar os conteúdos dela no interior, e foi com o encorajamento deles que ela passou a publicar para o público geral.

O primeiro vídeo postado foi de Kayla desfilando entre as vacas. “Deu muito engajamento quando postei nos stories . Com o bom resultado, postei também em formato de Reels e no TikTok. Depois disso, comecei a gravar vários vídeos contando como era minha vida no interior, como eu ia pra escola e como é a vida na minha cidade”, explica.

“Hoje, estou crescendo na internet e isso é importante para a minha carreira de modelo, já que atualmente, ter relevância nas mídias sociais faz muita diferença”, celebra a influenciadora.

Trajetória
Vivendo um momento de ascensão de sua carreira, a modelo já posou para algumas das maiores marcas de moda do Brasil, desfilou na São Paulo Fashion Week e estampou revistas renomadas, como a Vogue. Por ser uma mulher trans e natural do interior do Ceará, ela se orgulha de estar ocupando cada vez mais espaço no mercado. 

“Lembro que quando comecei não tinha alguém que tivesse saído de uma realidade como a minha e conseguido ocupar espaço no mundo da moda nacional, não tinha uma inspiração. 

Até mesmo antes da minha transição, quando eu comecei a modelar, não existia referências de meninas trans nas passarelas ou nas revistas e hoje em dia já temos várias, então isso é bem importante para mostrar que temos a possibilidade de alcançar nossos sonhos”, conta. 

Ainda muito jovem, ela saiu do interior sozinha para estudar e buscar trabalhos como modelo em Fortaleza. Foi nesse período, longe da família, que a cearense iniciou o processo de transição. Tendo perdido a mãe quando tinha apenas um ano, Kayla e seus irmãos foram criados pelo pai e pela avó, e, de acordo com ela, eles não tiveram problema com sua transição.

“No começo, meu pai só não estava tão acostumado a me tratar pelo pronome certo, mas com a ajuda dos meus irmãos mais novos ele foi entendendo e hoje é bem tranquilo”, relembrou Kayla.

Em contrapartida, no mercado da moda, ela ainda convive com o preconceito. “Passei a analisar quantas pessoas trans repre-
sentam diretamente determinada marca, sem ser naquele período do mês da diversidade, quando eles querem passar a imagem de que são inclusivos.

Fazendo essa reflexão, consegui ver que o mercado não está mudando, eles só querem se apropriar de uma causa para vender em um período que é conveniente. 

Já ouvi relatos de que o diretor disse que ‘uma pessoa trans já é suficiente para ter representatividade no desfile’.

Mas penso que se tem várias pessoas cisgêneras no trabalho é normal ter várias pessoas trans, se elas forem boas profissionais”, aponta a modelo.

Mesmo com esse cenário, Kayla confia que a mudança pode acontecer se as pessoas e as marcas estiverem abertas a novas possibilidades. Para ela, o mundo da moda é uma esfera muito fechada e conservadora, o que impossibilita uma evolução real no âmbito da diversidade.

“Acredito que a gente (modelos trans) aparecendo, falando, mostrando que somos tão bons quanto ou até melhores que pessoas cisgêneras, pode ser que dê uma chacoalhadinha no mercado. Quem sabe, aos poucos, eles aprendam a aceitar as diferenças e percebam que todos podem ter capacidade de fazer bons trabalhos”, aponta Kayla. 

De olhos no futuro e com o coração no passado Atualmente, o desejo de Kayla é continuar evoluindo na carreira, ser reconhecida na indústria da moda mundial e estar nas capas de grandes revistas. “Acredito que estampar uma revista é um reconhecimento de um bom trabalho, é a confirmação de que a modelo está no caminho certo”. 

Mas, morando na cidade mais populosa do país, ela sente saudade de sua terra natal. “Sinto falta da tranquilidade do meu interior. De poder andar tranquila na rua, de deixar meu celular onde eu quiser sabendo que quando voltar ele ainda vai estar lá. Tenho saudades daquela paz, do silêncio e dos pássaros cantando no quintal”, desabafa.